quinta-feira, julho 18, 2013

O Banho Alentejano


Numa notícia do género “fait divers”, leio que os Alentejanos são os que demoram mais tempo a tomar banho!
 Não sei se a notícia seria notícia, caso este pódio recaísse sobre um Beirão, um Minhoto ou mesmo sobre um Transmontano.

Não sei se a notícia é um elogio, ou a tradicional pacovinisse que os não alentejanos têm em relação à nossa maneira de tratar o tempo; ou seja: com tempo!

Mas a autora da notícia esqueceu-se de um pormenor de vital importância! Os Alentejanos não “tomam” banho; os Alentejanos “dão” banho.
“Tomar” é nome de cidade, é coisa para martinis, cafés, moscatéis e xarengas dessas ao Domingo de manhã depois do dito,”dado”!
Tomar banho é assim uma coisa de “fastbath”, uma espécie de hambúrguer ou cachorro mas molhado. Coisa de urbano que substitui a famosa lavagem à gato, por outra do mesmo teor mas de corpo inteiro.

Por cá, damos ao corpo um tempo de prazer e luxúria, coisa que fazemos “dempelão” como por aqui se diz, ou seja: em nu integral.

 Podem acusar os alentejanos de muita coisa, mas de falta de higiene é que não.
Ao entrarmos numa terra, numa rua, numa casa, sentimos que, higiene e limpeza são coisas que por aqui se levam e lavam a peito. Tão a peito, que muita gente pule, brune, engoma, varre, esfrega, lava e chega ao ponto de caiar o chão que pisamos, podendo-se em muitos casos, beijar o imaculado branco das pedras da calçada.

 Diz-nos a autora no bilhete postal do Correio da Manhã onde li a notícia: Os Alentejanos são os portugueses que demoram mais tempo a tomar banho.


Não pensem que é indolência. É estilo! É categoria! É classe!

Escrito por pulanito @ julho 18, 2013   1 comentários

quinta-feira, julho 11, 2013

Ribeira de Cobres

 Ribeira de Cobres Pego do Alcorão - Julho 2013

 A ribeira exerce sobre uma determinada estirpe de alentejanos um fascínio inexplicável. Assim, como se uma espécie de hipnose recaísse sobre nós, ou não fosse ela, uma vertiginosa serpente aquática.

Da que vos quero hoje falar, chamam-lhe De Cobres. Não sei o quê nem o porquê do seu nome de baptismo. Imagino que tenha a ver com a cor das suas águas, ou talvez, por delas partirem em tempos idos embarcações carregando no seu convés este abundante minério que, atingindo via Rio Guadiana as imediações do Mediterrâneo, era daí transportado para a capital do império: Roma.

Mas isto sou eu a cogitar. Não faço a menor ideia do que, ou como se terá passado. Apenas gosto de pensar que possa ter sido assim! Aqui há tempos fui numa caminhada cultural ao Castelo do Montel. O arqueólogo de serviço, enquanto caminhávamos por uma estrada secular, contou-me uma série de episódios históricos que tinham como protagonista essa fortificação e como testemunha o rio de que vos quero dar conta. Juntei uns quantos dados, uma pitada de imaginação, uns pós de verdade mais uma boa dose de sabedoria popular e com alguma facilidade consegui visualizar a vida daquela gente lá por alturas em que cristo andou pela terra.

Essa estrada romana que vinha desde Vipaska (Aljustrel), foi vendo crescer nas suas margens alguns povoados. Julga-se mesmo que Entradas, também o terá sido por via dessa, ao tempo, importante artéria. Mais à frente, a zona que hoje chamamos de Santo Isidoro, também deve de ter sido um lugarejo que teve nesse tráfego uma das razões da sua existência, de que hoje, a podemos atestar por via dos cacos feitos resquícios dum tempo que o próprio se encarregou de enterrar.

 E assim, posso facilmente imaginar, comboios de carros de bestas carregando o precioso metal, que os alentejanos de então arrancavam (sabe-se lá como!) às entranhas da terra, para gáudio de um qualquer Cláudio instalado lá por terras itálicas. O Castelo do Montel, ali nas margens do Cobres era assim, o último posto terrestre entre esta inóspita região da Ibéria e a toda poderosa Roma Imperial.

Regressando aos dias de hoje e à atração que temos por esse curso de água, voa-se-me o pensamento para histórias que se misturam com a minha e a dos meus. Relatos de ribeira cheia e de noites de vendaval. Admiráveis proezas de mergulhadores, a roçar o delírio! Penedos agudos quase a tocar o céu e pegos que de tão fundos ligam com o mar. Esconderijo de malfeitores, ciganos e malteses. Malta da beira-rio, gente da beira-nada, matulagem sem eira nem beira. Afinal, lá no fundo, gente como eu!

Sempre que vou a Entradas, invariavelmente a ribeira faz parte do meus pressentimentos. O desejo de saber se vai cheia se tiver chovido ou se, pelo contrário, vai secar se for tempo de verão. Assim como se o seu caudal fosse um barómetro virtual das nossas vidas; como se dependêssemos dela para ser felizes.

 Gosto especialmente de a percorrer em tempo de primavera. Por esta altura a vida alvoroça-se e a natureza presenteia-nos com o espetáculo da sua metamorfose. Mantos de caleidoscópicas flores silvestres adornam os campos em volta. Nas suas margens crescem searas de junco, buinho e atabua que, por sua vez, servem de ninho e esconderijo a patos, galinholas e outras espécies. Para nosso contentamento gastronómico, poejos e hortelãs bravias crescem aos magotes na orla ribeirinha. A fauna fluvial, outrora abundante, ainda resiste. Aqui, um cágado veraneante toma banhos de sol, mais ali, o coaxar das rãs cortam o silêncio numa algaraviada que só elas percebem. Achigãs saltam fora de água para caçar insectos, quando regressam ao seu habitat natural desenham com o seu mergulho, uma espiral de círculos perfeitos que se esvaecem lentamente. E eu... sou tão feliz com estas pequeníssimas coisas!

Se gosto dela na primavera, gosto de ouvir as histórias que a ela se referem em noites de invernia. Noites de copo de tinto e imaginação à farta. Escrevo isto e vem-me à lembrança o falecido Chico Francês. Este meu conterrâneo contava-me as histórias mais mirabolantes que tinham como cenário a ribeira. Gabava-se de ser exímio nadador. Dizia-me no delírio que o vinho barato produz, que se jogava do penedo mais alto para o pego mais fundo. A viagem que fazia debaixo de água levava-o a profundezas tais que tinha de ter fôlego de caçador de pérolas. Quando regressava à tona de água trazia um peixe em cada mão...mais um em cada pé, e não bastas vezes, ainda um outro na boca!
 E eu a acenar que sim! A fingir acreditar na história, em que ele, de tantas vezes a contar, nela cria piamente.

Da minha infância retenho um episódio ribeirinho que julgo nunca ter revelado. Penso nele muitas vezes. Sobretudo penso no lado belo que dele retive e que aqui procurarei traduzir em palavras.

Eu, teria não mais de seis anos e o meu irmão Armando, onze. Ele já trabalhava, guardava porcos para um patrão da terra chamado Alexandre Revés. Eu ainda não! Acompanhara a minha mãe à ribeira onde esta fora lavar a roupa. A ribeira não era a de Cobres, mas sim um afluente desta, a de Terges, aliás à de Cobres nunca tinha ido. Ainda não sabia o quão grande era o “mar”!

Depois da roupa lavada e enxuta, em vez de regressar com a minha mãe, pedi para ficar a fazer companhia ao meu mano. Esta acedeu, recomendando-nos muito cuidado. Nisto, o céu que até ali era azul, enegreceu! Encarvoou mesmo e, uma carga de água nunca antes vista, desabou sobre a terra. Erradamente resguardámo-nos debaixo duma azinheira. Os raios “blitzavam” à nossa volta, como se os deuses batalhassem entre si.

A ribeira que mal corria, desatou a subir. Primeiro cobrindo o porto de passagem, depois ocultou as passadeiras que eram a nossa ponte para a margem certa da vida. E a chuva sem parar!

 A ribeira não tardou em transbordar alagando as margens e levando consigo para o mar tudo o que lhe aparecia na sua área de jurisdição.
E eu, tão assustado quanto fascinado. E meu irmão em silêncio à espera; à mercê da ira dos deuses. E os porcos ao deus dará. E a tarde a tombar para o lado da noite. E nós a resvalar para o lado do medo.

Quando a noite se fez noite, apenas ficou o som dos bichos e das coisas mais o ronco daquele inesperado mar.
De repente, no silêncio da noite calada, começamos a ouvir bradar pelos nossos nomes à vez: ARMANDOOO!! NAPOLEÃOOO!!
No intervalo entre chamamentos respondemos em uníssono: AQUIII!!!

Ainda hoje guardo a imagem daquela marcha de tochas aparecendo ao cimo do outeiro. Eram mais de uma vintena de pessoas à nossa procura, cada um com seu archote.
Naquele dia o céu já se pintara de azul, enegrecera do nada, e agora... enrubescera como se de um incêndio se tratara!

Era muita adrenalina para tão tenra idade. Dizem-me que adormeci ao colo de meu pai no caminho de volta a casa.

Destas memórias fluviais faço o percurso do maltês da palavra que sou. À ribeira regresso sempre que posso. Afinal, é aqui que residem os meus fantasmas e os meus heróis.

Escrito por pulanito @ julho 11, 2013   1 comentários

terça-feira, julho 02, 2013

Bandolero

Bandolero - Possivelmente Zé Pequenino teria um aspecto assim

E pronto, estamos nos resquícios do Natal! A mesa ainda está posta para toda a família que, ou já debandou, ou está à prestes a abalar.

Assim, em jeito de balanço, posso dizer que foi um Natal surpreendente. Recebemos presentes úteis que retribuímos com coisas que fizeram sentido.

E assim, numa demonstração de consumismo moderado, exagerando unicamente nos afectos, lá passámos mais um Natal das nossas vidas.

Voltámos a reunir-nos à lareira, a contar coisas de antanho que fizeram as delícias dos que as desconheciam.

Coisas do nosso espólio familiar. Comparações com tempos de chão de terra e telha vã. Coisas de filhoses, pupias e fartos polvilhados com açúcares imaginários. Tempos de candeia e escuridão com ventanias e histórias a condizer. Episódios quase trágicos de “cavelhariça*” com almocreves e ribeiras intransponíveis em noite de consoada. Guardas republicanos a cavalo de monte em monte, protegendo haveres do latifúndio, amedrontando ciganos e malteses que pernoitavam lá para as bandas de Vale João Nabão.

 Mas se não eram os mesmos que hoje somos, seremos seguramente os sucessores consanguíneos dessa gente de carne e osso. Gente que também viveu, amou, sonhou e sofreu antes de nós lhes ocuparmos o lugar e carregarmos o testemunho que nos legaram e que tudo faremos para que seja entregue à geração seguinte em sessão solene à volta do madeiro do menino.

Para mim, o Natal é lume! São histórias cujos detalhes crepitam no fogo da imaginação. A precisão britânica na hora a que Zé Pequenino (perigoso bandoleiro de então!) saía ao caminho lá para as bandas do Monte Canal a quem com ele se cruzasse, era uma das suas marcas.

Vindo da Estação do Carregueiro, conta-se que o meliante saiu ao caminho ao carroceiro Camacho que todos os dias por ali passava (por volta das cinco da madrugada!) com o correio e encomendas chegadas no comboio da noite e que tinham como destino Entradas.

 Conta-se que o fatídico encontro se deu numa noite de frio gélido como a de ontem. Na débil claridade do lusco-fusco Camacho vislumbrou o reflexo metálico do cano do revólver do pistoleiro, paralisando-lhe os movimentos e o pouco pensamento que possuía. Mas afinal, o tal de Zé Pequenino ao invés de o assaltar, apenas lhe pediu que no dia seguinte lhe trouxesse comida e umas onças de tabaco que religiosamente pagou àquele que passou a ser seu correio particular e também seu protegido da maltesaria que por ali abundava.

Os que escutavam os detalhes desta história, que se quer verdadeira, granjearam de imediato uma notória simpatia pelo marginal libertino. Afinal era apenas um dos nossos a quem a sorte não sorrira. Ou seria ao contrário!?

A vida que lhe calhou, obrigou-o a passar noites e noites ao relento e em sobressalto, não sendo fácil de imaginar quantos natais não terá passado junto à ribeira, nas gélidas noites que são quase todas as que celebram o nascimento do Salvador. Eu pelo menos imagino um homem desmesuradamente pequeno, (a fazer jus ao seu nome!), de barba, cabelo e roupa negra, assim uma espécie de zorro, mas mais p'ró sacana. Imagino-lhe olhar frio e penetrante. Uma agilidade fora do comum e uma crueldade que lhe permitia sobreviver no ambiente mais hostil, e não sei bem porquê... uma palhinha ao canto da boca!

Porventura seria mais assustado que assustador; mais cobarde que herói; mais pilha galinhas que grande meliante; mais carente que cruel; mais "cagaloso**" que valente. Mas na hora de escolher entre os guardas a cavalo que o perseguiam; que supostamente defendiam a lei e a ordem; que protegiam pessoas e bens; que também viviam ao relento e em condições inóspitas.
 Nessa hipotética escolha representariam o bem e o salteador o mal. Se fosse obrigado a optar entre uns e outros, escolheria o Zé Pequenino, isto porque, no meu peito transtagano bate um coração de malfeitor que não dispensa o ar condicionado nem vinho de marca, mas mesmo assim: Bandolero!

Fossem ciganos
A levantar poeira
A misturar nas patas
Terra de outras terras, ares de outras matas

E eu bandoleiro
 No meu cavalo alado
Na mão direita o fado,
Jogando sementes no campo da mente

E se falasses magia sonho e fantasia
 E se falasses encanto quebranto e condão
Feitiço transe viagem…alucinação
Miragem

Lucinha – Poeta Brasileira - 1978

 Cavelhariça= Cavalariça

Cagaloso = Medroso  

Escrito por pulanito @ julho 02, 2013   0 comentários

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