domingo, setembro 11, 2011

A Velha Pasteleira.

Uma velha "pasteleira" participante no encontro de Castro Verde, aquando da Planície Mediterrânica.


Ainda me lembro como se hoje fosse da sua chegada lá a casa.
Era azul. De um cintilante azul celeste, com uns brilhantes cromados que quase ofuscavam o olhar e, meu pai, orgulhosamente montado na sua nova bicicleta acabadinha de adquirir em Castro Verde, com pagamento final datado para daí a doze meses.
Lembro-me que tinha espelho retrovisor, campainha e guarda-lamas. A ténue luz dianteira era alimentada a dínamo, que quando encostado à jante da roda dianteira, rodava de modo a que se produzisse o fio de luz que lhe alumiasse o caminho.
Num dos lados do quadro, a inevitável bomba de ar, sempre necessária para encher os pneus da roda vinte e oito daquele mágico veículo.
Pendurado no selim de molas estava a balouçante bolsa de ferramentas e utensílios necessárias à reparação dos inevitáveis e frequentes furos.
Quando meu pai regressava do trabalho, especialmente em tardes de Verão, levava-me a dar uma volta montado no suporte. Eu, pequenito, agarrava-me à sua cintura, como se quisesse abraçar o mundo e, a cada pedalada, viajava-me a imaginação para lá das aforas do permitido, e a isso, chama-se sonhar!
Dessa “pasteleira” guardo as melhores recordações. Foi nela que ainda míngua de gente aprendi a andar de bicicleta. Como não havia bicicletas para crianças, a maralha miúda lá da minha terra aprendia a equilibrar-se nestes gigantes de duas rodas, enfiando parte do corpo por dentro do quadro, o tronco quase fazendo um S de modo a criar uma forma de balanço estável, a cabeça junto ao guiador, e as mãos muito a custo, chegando às manetes do guiador.
Depois de muitas quedas, alguns puxões de orelhas e outras tantas tareias, lá havia o dia em que joelhos e cotovelos descansavam e nós ganhávamos asas em forma de rodas .
Estas bicicletas, a par dos carros de bestas, povoavam a paisagem e, ainda hoje, a memória de muitos de nós.
Foi numa destas bicicletas que Joaquim Agostinho se fez ciclista ao surpreender João Roque, Leonel Miranda e companhia da equipa do Sporting, que treinando lá para as bandas de Torres Vedras, foram surpreendidos por aquela força da natureza, que montando aquele “ferro”, sem mudanças nem caganças, os acompanhava nas descidas e ultrapassava nas subidas, causando o espanto daqueles ídolos de então, que só descansaram quando o levaram para a sua equipa.
À minha porta passa todos os dias um velhote montado naquela que seguramente será a sua bicicleta de sempre, uma pasteleira igualzinha á do meu pai, só que doutra cor. Pedala quando o terreno é a favor, mas quando chega ás subidas desmonta, alçando a perna com a máquina ainda em movimento. E continua a pé, porque os seus mais de oitenta anos já lhe consumiram grande parte das forças.
Na semana passada dei com ele desbastando umas enormes canas que colhia num canavial à beira da estrada. Viu-o amarrar a dúzia de canas , montar-se na bicicleta e colocar o molho de canas debaixo do braço que segurava com a mão esquerda, apenas guiando com a direita.
Ao passar à minha porta, não vi um ciclista com um molho de canas debaixo do braço, mas sim um cavaleiro andante, montado o corcel investindo com a sua lança de doze setas contra um inimigo imaginário, talvez chamado: idade!
No passado dia 10/09, aquando da Planície Mediterrânica em Castro Verde, houve um encontro de velhas bicicletas (não confundir com bicicletas velhas!), vulgo “pasteleiras”, encontro esse a que o meu amigo Filipe Pratas dedicou tempo e alma, que resultou num evento a repetir.
Revi então, num determinado ciclista que passava, o meu pai chegando a casa, eu sentado no poial com a cara entre as mãos à sua espera. E ele a dizer-me.
- “Suba já o meu filho aí para o suporte que vamos dar a volta à vila”.

Escrito por pulanito @ setembro 11, 2011   5 comentários

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