domingo, outubro 26, 2008

Ritz Club Revisited.

“Chamo-me Fátima e sou adoptada, desculpe não era bem isto que andava à procura mas talvez possa conhecer o meu pai verdadeiro, por isso decidi deixar este comentário.
Ando a procura da minha família há 26 anos e sei que o meu pai há 26 anos atrás tocava jazz no Ritz, era cabo-verdiano, mas não faço a mínima ideia do seu nome. Se por acaso tiver alguma informação que me possa dar agradecia.”

Esta foi a mensagem que recebi da Fátima na semana passada, entretanto já me enviou um e-mail dizendo que me vai contactar telefonicamente para me facultar mais detalhes, de modo a que o Pulanito possa de novo ser o “ Ponto de Encontro” daqueles que se perderam nas veredas da vida.
Quando escrevia esta mensagem, chegou-me um e-mail da Fátima dizendo que infelizmente nada sabe nem do pai nem da mãe, tendo sido adoptada por uma família que também não lhe puderam adiantar nada acerca das suas origens.
No entanto, e acerca da sua mãe, sabe chamar-se Rosa Monteiro, que era alta e loira e ao tempo (1982) vivia no Estoril. Se for viva terá cerca de 45/50 anos.

Republico agora o post que deu origem a este pedido desesperado, esperando que algum dos leitores do Pulanito possa saber onde localizar o pai desta criatura que vivendo em Inglaterra, se confronta com essa inabalável necessidade de saber de onde veio, para saber para onde ir. Afinal é só um humano desejo que aqui compartilhamos convosco na esperança de que algum de vós nos indique alguma pista que conduza a um desfecho feliz.

Vamos lá ajudar a Fátima a descobrir este musico cabo-verdiano que em 1980/82 era musico no Ritz Club e de que não sabemos mais que isto.


Ritz Club

Tinha-me mirado e remirado vezes sem conta ao espelho, na expectativa de ver reflectida a imagem que há muito interiorizara. A franja caída sobre os olhos, a tês franzida, a gola do casaco levantada mais o cigarro estrategicamente colocado ao canto da boca conferiam-me um ar suficientemente adulto de modo a ludibriar o porteiro do Ritz Club, e finalmente subir aquele lance de escada que me havia de catapultar para um mundo de fadistas, chulos e putas no que se refere ao género humano, e chouriço assado, bacalhau à brás e whisky marado no respeitante aos comes e bebes. Apesar da notória decadência o Ritz era um ex-libris de Lisboa. Quando se galgava aquela escadaria, encontrávamos à direita o barbeiro que zelava pelo aspecto dos proxenetas que faziam bicha pró penteado, e à direita o restaurante e casa de fados, onde coabitavam as piores vozes de Lisboa e o melhor bacalhau à Brás da cidade branca. Mais um lance de escadas e abriam-se as portas do paraíso. Para quem até ali só ouvira descrições verbais daquele espaço, estar ali e apreciar ao vivo e a cores aquela inebriante atmosfera de músicos, garçons, otários e prostitutas era qualquer coisa de alucinante. Os 10$00 da entrada davam direito a duas cervejas Sagres de litro - rara embalagem para a época - que o empregado depositava na mesa de uma só vez.






Descobri uma foto onde pontuam as famosas "granadas" de litro da Sagres. Só para ilustrar a coisa.


O velho ritz- foto "surripiada" de ritzclube.spaces.live.com


Sentados estrategicamente a um canto esperávamos pelo espectáculo de palco, já que o outro que desenrolava na sala, era por nós consumido avidamente sem que dele perdêssemos pitada.
Na pista de baile entre boleros e tangos tocados pela orquestra residente, logo baptizada por nós de “Conjunto Mitra” devido à avançada idade dos seus componentes , evoluíam mulheres de mau porte dançando com embriagados provincianos de patilha, que dali a pouco num qualquer cubículo de pensão manhosa com águas correntes quentes e frias, haveriam de largar nota da grossa, a troco de céleres prazeres carnais.


O saudoso Camacho e Costa no Ritz Club em foto da época deste post.


Depois de terminada a série dançante e segundo o amarelecido cardápio do espectáculo, haveríamos de assistir ainda ao casal de velhotes (cujos nomes se me varreram da memória), mas que fizeram rir gerações com rápidos números de teatro revisteiro na linha dos sketches do Zéquinha e da Lélé a anteceder o momento da noite, de que vezes sem conta, ouvíramos falar e que, finalmente iríamos presenciar: o strip tease de Miss Kelly! Quando Miss Kelly pisava as tábuas do velho Ritz, todos os olhos se dirigiam para o foco de luz branca que insidia sobre as adivinhadas formas roliças que se escondiam por debaixo do longo vestido de lantejoulas cintilantes.


O fabuloso Conjunto "Mitra"foto "surripiada" de ritzclube.spaces.live.com



O pianista do “ Conjunto Mitra” acompanhado pelo contrabaixista, ilustravam o momento com acordes a propósito, enquanto Miss Kelly dirigia lânguidos olhares à assistência, ao mesmo tempo que puxava lentamente com os dentes, um a um, os dedos da luva que lhe chegava ao antebraço e que simulava atirar para a assistência. A tensão crescia à medida que esta se desfazia dos adereços com movimentos estudados e mil vezes repetidos.

Livre trânsito do Ritz Club do meu amigo Manuel Matos, já com mais de 40 anos. Naquele tempo era um privilégio a que nem todos tinham acesso.

Quando Miss Kelly se voltava de costas e fazia correr lentamente o fecho último, qual porta que se escancarava para a paisagem corporal pressentida. Havia na sala um instante em que a respiração ficava suspensa à espera daquele momento único, e para nós primeiro, em que um atónito olhar juvenil percorria a geografia física de uma mulher adulta, que iria marcar a passagem da idade da penugem, para o clube dos fala grossa. Depois de franqueadas as portas do Ritz, havíamos de ali passar muitas das nossas jovens vidas. Tantas, que quase nos tornámos mobília. Tantas, que assistimos ao desaparecimento do velhote comediante e ainda ao de dois músicos do “ Conjunto Mitra”. Tantas, que assistimos à ascensão e queda do mito Miss Kelly, cujo corpo sulcado pelo álcool e pelo tempo, haveria de arrastar até à exaustão pelo tabuado do velho Ritz.

Publicado no Jornal O Campo 2002

Etiquetas: Lisbon by night, Musica de cabo verde, Ritz Club

Escrito por pulanito @ outubro 26, 2008   6 comentários

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