Incongruências
Quanto mais conhecemos os direitos dos animais, menos
vontade temos de os comer.
Hoje venho falar-vos de algumas
incongruências do ser humano que
registei na última semana.
A primeira, prende-se com a frase
com que dou início a esta crónica e que me foi referida por uma amiga que desde
há meses trabalha numa clinica veterinária.
Dizia-me ela que, quase de repente,
adquiriu uma consciência, uma mutação, uma nova maneira de olhar o mundo desde
que lida de perto com a dor dos animais.
Ela, que sempre fora uma pessoa
preocupada com o bem estar animal (sempre possuíra cães e gatos) estava agora
com um certo peso na consciência por no passado ter matado com as suas próprias
mãos animais que hoje procura salvar, nomeadamente coelhos.
Dava-me como exemplo o felpudo animal,
por ser também um animal de estimação — especialmente para estrangeiros — e, ao
mesmo tempo, um item da nossa cadeia alimentar à venda no talho onde adquire
outras carnes depois de sair desse trabalho veterinário.
Outro exemplo dessas incongruências
foi-me relatado na semana passada aquando do meu regresso a Entradas. Falava-se
de um vizinho meu cuja cadela tinha parido 7 canitos.
Até aqui nada de anormal. O motivo
de censura — para o grupo de mulheres com quem falava — era ele não os ter
afogado à nascença.
Estas mulheres, gente boa, honrada
e de bons princípios, cresceu com esta “normalidade” que é matar os filhos de
outros à nascença e depois regressar à cozinha para terminar o estrugido.
O poeta José Gomes Ferreira,
referindo-se à caça em certo poema afirmava não compreender como é que um homem
pode chegar a casa, beijar mulher e filhos, e fazê-lo com cadáveres presos à
cintura.
Por falar em caça, deixo aqui a
última incongruência. Passeava eu os meus cães perto de casa, quando avistei um
vizinho com um balde na mão.
O homem entabulou conversa comigo e,
muito entusiasmado, dizia-me ter descoberto
um bando de pombos de mais de 500 indivíduos. Que o trigo no balde era
para os habituar a regressar ali todos os dias para no dia 20 de Agosto darem
lugar à chacina.
E com os olhos resplandecentes de
orgulho relatou-me que no ano transato, ele e os amigos tinham abatido de uma
só vez 180 deles.
E já de abalada confessou: — Eu até nem gosto de pombo, é mais pelo vício
de matar!
Publicado no Jornal Correio
Alentejo de 21 de Julho de 2017