quarta-feira, janeiro 26, 2011

Venceslau de Santa Bárbara


No cinzentismo dos dias que correm, dou comigo a pensar que sobre mim desabou uma bruma misteriosa que não me deixa encarreirar as palavras pela ordem que o relógio cronométrico da estética me deveria impor.

Escrevo na esperança de viajar nas palavras. Mas não, sou apenas um condutor que se senta ao volante, imitando com os lábios o roncar de um motor (brrrrrrrruuurr!!), mas não sai do mesmo sitio. É assim que hoje me sinto, um inútil sem credo nem paixão; um ser inerte sem ideias que se assomem à janela do pensamento. Na verdade, não sei mesmo se chego a pensar. Apenas divago em flashes paranóicos, esquizofrénicos sem eira nem beira, sem princípio nem fim, sem verdade nem mentira, sem mim nem eu.

De repente, assim como saído dessa “avalónica” bruma matinal, começo a distinguir a figura de um ciclista. Estou na estrada que me conduz de Entradas a Castro Verde, vou em busca de notícias frescas, esse meu vício diário. No mostrador do automóvel o termómetro marca dois graus positivos e um vento norte de gelar ossos e entranhas.

São oito menos dez, é Domingo, e do meio da “sebastiânica” neblina, sobressai a figura de um homem montado numa bicicleta, pedala em direcção a nada, pedala porque é essa a sua sina, como se pagasse promessa ou alguma praga lhe houvessem rogado.

Não é a primeira vez que com ele me cruzo quando por aí pedalo, não é sequer a décima ou a vigésima, no fundo somos farinha do mesmo saco, somos carne para o mesmo canhão, somos do mesmo silêncio e do mesmo espanto.

Não sei o seu nome, mas já o baptizei de Venceslau de Santa Bárbara; Venceslau porque é nome de ciclista e Santa Bárbara porque é a sua terra, padroeira de mineiros e protectora de tempestades, sendo que a vida do meu quase virtual amigo afigura-se-me garimpada de relâmpagos e trovoadas tal qual a minha.

São oito menos dez, estão dois graus que o termómetro afirma serem positivos e Venceslau de Santa Bárbara continua a pedalar sempre de pé como as árvores, que assim morrem na dignidade dos seculares mutismos da terra.

O temeroso ciclista já tem Entradas na mira quando o volto a apanhar no regresso das minhas mercas noticiosas. Como sei que vem de Santa Bárbara de Padrões, terá começado a pedalar mal o dia raiou, apreciará a quietude dominical das ruas da minha terra e, sem se deter, fará o regresso a Santa Bárbara que dista do local onde o consegui fotografar, cerca de hora e meia a pedalar.

Voltei a não lhe conseguir arrancar mais de que um sussurrado bom dia em andamento, perdendo-lhe o rasto no voltar da esquina mais próxima, e tanto que eu tinha para lhe perguntar!

O que fará este homem saltar da cama em dia de rigorosa invernia para se jogar à estrada, dia após dia, ano após ano?


Será apenas um solitário do pedal, um viciado nos crepúsculos, um sonhador sobre rodas ou apenas um ser livre que percorre incessantemente o seu território de afeição?

Poderá ser tanta coisa! Uma coisa é certa; não será um condutor que ziguezagueia ao volante de um carro parado, imitando com os lábios o roncar do motor (brrrrrummm!) tentando escapar do estado de pré-demência que o atormenta.

Escrito por pulanito @ janeiro 26, 2011   6 comentários

domingo, janeiro 09, 2011

José David - Um Alentejano de Coragem



José David pintado por seu filho Alberto David


Este é um post que escrevi no verão passado, mas por razões que a razão desconhece não chegou a ser publicado.
Há pouco falava no facebook com o meu amigo Alberto David (filho do protagonista) dizendo-me ele que andava a pintar o seu “velhote”. De repente fez-se luz e lembrei-me do texto que agora convosco partilho.


Ontem fui “sardinhar” lá para as bandas de Albufeira a casa dos amigos Alberto David e da Silvia.
A coisa não seria motivo para postagem, não fosse a curiosa história de vida do pai do nosso anfitrião, homem já falecido no inicio dos anos 80, natural da Messejana e que respondia pelo singelo nome de José David.
Do que pude esgravatar da memória do Alberto David, ficou-me a imagem do seu corajoso progenitor, homem que viveu na clandestinidade grande parte da sua existência e quando tal não acontecia era porque estava numa das múltiplas prisões do Estado Novo.

Em finais do século XIX nascia no seio duma família abastada que vivia na Vila da Messejana, perto de Aljustrel, um rapaz a quem foi dado o nome de José David.
José David viveu nesta localidade a sua infância e adolescência. Por lá aprendeu a ler, escrever e contar bem como a polir a sua costela republicana que a cada ano que passava ia ficando mais e mais brilhante.

Quando esta chegou a 5 de Outubro de 1910, José David deu consigo a chorar sem se poder conter. Depois de enxuto o rio que lhe desaguava cara abaixo, José David percorreu as ruas da sua vila natal exultando de alegria e convidando os outros Messejanenses a deslocarem-se a Aljustrel onde celebraram a implantação no novo regime vigente.
Nunca mais na sua vida, José David deixaria de comemorar este dia de forma efusiva e emotiva.

Por alturas da chegada da República muda-se para a Vidigueira onde a sua militância republicana é praticamente a sua razão de viver.
Os novos ventos da República traziam uma aura de esperança aos mais desgraçados que com a sua chegada eram promovidos à condição de humanos com direito a cédula com nome apelido e tudo. Mas com um país à beira da ruptura moral e financeira, não há ideal que resista, ainda por cima rebenta na Europa a Primeira Guerra Mundial, o que vem agravar ainda mais o estado da paupérrima nação à beira-mar plantada e muitos dos ideais republicanos ficam mesmo por aí; pelo território dos sonhos!

José David continua convicto de que a sua República vencerá e alista-se no exército onde rapidamente ascende à patente de capitão, não só pelas suas habilitações, mas acima de tudo pela sua valentia e capacidade de liderança.
Esta condição faz com que o nosso herói vá de abalada para França, onde entre outras contendas, viu tombar camaradas às centenas na famosa batalha de La Lyz.

De regresso a Portugal continua a celebrar o 5 de Outubro como se fosse o dia do seu nascimento. As suas convicções continuam inabaláveis e apesar dos tempos conturbados, é já em Lisboa que continua a sua luta pelo ideal em que acredita.
Em Maio de 1926 é atropelado pelo comboio salazarista que suspende a República e implementa o Estado Novo.

José David sente na pele, no sangue e nas vísceras esta aberrante imposição regimental e decide combatê-la juntando-se aos anarco-sindicalista, força política anti-salazarista que procurava fazer a vida negra ao regime, procurando derrubá-lo pelos meios que possuíam, incluindo o atentado politico.

Aspecto da cratera que deixou a bomba colocada por José David e companhia

José David, Emídio Santana e mais um restrito grupo decidem atentar contra a vida de Salazar, coisa que teve lugar a 3 de Julho de 1937, quando Salazar se dirigia à capela particular do seu amigo Josué Trocato na Avenida Barbosa du Bocage em Lisboa.
A viatura é atingida, deixando no chão uma impressionante cratera, mas o ditador sai ileso do atentado.

Não se sabe, se por esta, se por outra, o nosso protagonista foi bater com os costados ao Tarrafal, esse campo de morte onde eram desterrados os opositores de Salazar.
Alberto David, pouco mais sabe da vida de seu pai, mas apesar dos anos volvidos, continua a garimpar nas memórias deste valente alentejano.

Agora, resolveu eternizá-lo na tela, para que, na voragem do tempo não se perca a figura daquele que lhe deu a vida e, dedicou a sua, à causa da liberdade.
Pela minha parte, aqui fica a sentida homenagem a este homem que não conheci, mas de que bebi com sentida emoção o relato de quem com ele privou.

Escrito por pulanito @ janeiro 09, 2011   4 comentários

domingo, janeiro 02, 2011

Since You've Bee Gone / A Memória - Orelha Negra - *****




Bem! Ano Novo vida nova. Vamos lá começar um novo ciclo revitalizando-me pessoal e profissionalmente. Pessoalmente vou recomeçar a treinar, chega desta cega-rega do sofá para a mesa e da mesa para o sofá e para isso já fiz hoje com a Natália uma pequena caminhada e daqui para a frente corrida e bicicleta com fartura para chacinar de uma vez esta barriga que não pára de crescer.
Profissionalmente vou reinventar os meus produtos e vou-me meter ao terreno e convencer quem de direito que os sistemas que vou criando são um beneficio para os consumidores e para o país.

Quero mais uma vez desejar a todos os meus amigos e leitores, um excelente 2011 e para que comece bem deixo-vos este excelente clip dos Orelha Negra agora com vozes convidadas. O Samuel e a restante pandilha andam entusiasmadíssimos com a continuidade do projecto, eu também! Por isso aqui vos deixo este extraordinário Since You’ve Benn Gone / A Memória.

Este clip está extraordinário e não fica nada a dever ao que de melhor se faz por esse mundo fora.
Os Orelha Negra nasceram durante a digressão de Sam The Kid em 2007. Foram criando material que compunham nos tempos mortos antes e depois dos concertos e destes devaneios musicais foi ganhando forma aquilo que se veio a tornar num caso sério da música portuguesa de 2010. Agora os ON continuam a surpreender-nos convidando vozes para acrescentarem em palavras aquilo que musicalmente há muito se pressente: Mais uma pedrada no charco destes extraordinários músicos portugueses.

A não perder quando passarem pela sua cidade.

Abraço e bom ano.

Escrito por pulanito @ janeiro 02, 2011   3 comentários

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